QUESTÃO AMBIENTAL NÃO É SETORIAL

O pior erro que se pode cometer em pleno século XXI é acreditar que a questão ambiental é algo setorial. A mídia e quase todos os políticos brasileiros tratam a questão como se fosse “coisa de ambientalista”, como quem se barganha com um grupo corporativo. Assim, há uma suposta saudável proposta de “conciliação” entre ruralistas e ambientalistas.

A imagem está totalmente distorcida porque escamoteia as reais forças políticas que estão em jogo. Elas atravessam não apenas a questão das florestas – como está em jogo na estúpida reforma do Código Florestal – mas do próprio espaço urbano. O que está em pauta é nada menos que nossas próprias formas-de-vida e sua arquitetura fundamental.

Olhando nosso espaço urbano, há visivelmente dois modelos em oposição.

De um lado, o modelo-Dubai, baseado na construção de arranha-céus, na exibição do concreto e no carro como figura privilegiada na cidade, para a qual giram obras viárias, proliferam estacionamentos, explodem as vendas. Modelo da sociedade do espetáculo e do consumo onde a subjetividade é constituída por meio de uma produção serial em massa, forjando sua estrutura a partir de objetos exteriores e descartáveis, programados para a obsolescência quase instantânea. Formado, além disso, pelo condomínio fechado e os parques artificiais, devidamente higienizados de qualquer pobreza e hermeticamente protegidos por um aparato bélico de segurança. Modelo dos shopping certers, dos espaços “espinhosos”, das câmaras de vigilância, do modismo yuppie de caminhonetes e red bull, do marketing e da “arte de guerra” como ética. Nesse espaço retumbantemente uniforme, evidentemente a ideia é cobrir  todo verde que remete ao “primitivo” de algo “produtivo”, de preferência se esse novo verde for as “verdinhas”. Asfalto ou monocultura. Nada de errado, segundo essa lógica, uma vez que ela é tauto-lógica, isto é, se retroalimenta, se justifica em si mesma: produzir é bom porque produzir é bom.

De outro lado, as tentativas de pensar o espaço urbano de forma mais coletiva e plural. Prédios menores, privilégio do sol unicamente, parques abertos, elogio da multiplicidade, espaço convidativo a ciclistas, transporte público confortável e eficiente, restrição do uso de carros, valorização dos espaços na rua para todos, convivência com a diferença. Pessoas que vivem uma vida mais leve, sem a necessidade obsessiva do enriquecimento, sem trabalhar como máquinas, priorizando suas relações de amizade e amor, interessadas no pensamento crítico, mas também na diversão hiperbólica. Convite a repensar a vida, inclusive mediante valores como a solidariedade e a justiça, ridicularizados pela hegemonia yuppie que cruelmente as associa à piedade cristã. Na área florestal, preservar a diversidade, a riqueza da diferença e do múltiplo que se fez natureza, produzir alimentos pela qualidade antes da quantidade, uma vez que o problema não é há muito tempo falta de alimentos, mas sim da sua distribuição justa. Respeito, acolhimento e aprendizado com outras formas-de-vida, por exemplo a indígena, que tanto tem a nos ensinar para quem já superou, pelo menos em certo sentido, o binômio barbárie-civilização. Hospitalidade com a alteridade que se manifesta não apenas no outro-humano, mas nos animais, nas plantas, nas coisas.

Para quem acha a distinção forçada, só posso dar a prova da minha própria experiência pessoal: conheço gente dos dois estilos, visitei lugares que espelham um e outro modelo.

Nenhuma luta é mais política que essa: luta entre formas-de-vida que são quase incompatíveis, uma vez que a vida yuppie quer cobrir de cinza o mundo para encher de verde o seu bolso. Para onde vou, percebo em todas as cidades a tendência que apenas confirma a plutocracia no lugar da democracia: governantes vendidos que autorizam obras indecentes, vendem espaços públicos, cobrem paisagens de concreto e fecham áreas que deveriam ser do coletivo, ou seja, de ninguém (exatamente isso está em jogo na questão das licenças serem transferidas para esfera do Estado-membro). A questão verde não é apenas questão de proteção da Amazônia e da preservação das baleias – é também isso – mas é a luta propriamente das formas-de-vida da nossa época.

Infelizmente o PT – partido que nos governa – ainda não achou lugar aí. Enquanto a burocracia está interessada no Modelo Chinês – crescer a qualquer custo, usando as estratégias da sociedade de consumo contra as próprias elites, mas sem enfrentamento direto – boa parte da base petista, o resíduo que ficou depois de tudo que passou, tem consciência dessas questões e pressiona internamente. É mais por cálculo maquiavélico do que por ideal que a burocracia petista ainda põe a questão. Infelizmente. De minha parte, já desisti há tempos do PT. Para quem ainda está nas tensões internas do partido, desejo que logre sucesso na empreitada de reposicionar o partido de forma a se contrapor ao projeto do concreto.

POLÍTICA DO SÉCULO XXI

É muito cedo para traçarmos qualquer diagnóstico mais conclusivo sobre o que virá no século em que estamos. Mas os primeiros anos do século XXI parecem dar sinais.

O primeiro ponto é o esgotamento da narrativa moderna do progresso e da formalização liberal da esfera política. Por mais denegações que existam – especialmente aquelas que estabelecem teorizações abstratas sobre a política como se esta pudesse ser recriada em condições ideiais, despida de história, violência e memória – o avanço da filosofia e das ciências do século XX apontam para o esgotamento da ideia de um indivíduo autocentrado na consciência que delibera contratualmente com os demais acerca dos limites da sua liberdade que, no fundo, confunde-se com a propriedade. Todas as áreas – da história à biologia, da antropologia à psicanálise – desconfirmam essa tese. A imagem sobrevive agonizante no direito, na filosofia política e na teologia. Mas o contraste – em especial o contraste cultural e material – que a tecnologia moderna torna mais visível (e também mais invisível) mostra que mesmo o discurso dos direitos humanos (com toda lógica que lhe é implícita, em especial a do cosmopolitismo) já não soa tão convincente quanto no final da Segunda Guerra Mundial.

A teologia do mercado do final do século XX, apelidada por aqui de “neoliberalismo”, igualmente agoniza ao lado do seu rival, o “Welfare State” e todo seu caminhão burocrático. São possibilidades que implodiram a si próprias: o Welfare pela elevação da qualidade de vida que provocou revoluções culturais e insustentabilidade financeira; a teologia de mercado pela quebradeira dos últimos anos, apesar de ainda existirem “lacaios da burguesia” (expressão de Adorno que mereceria uma retomada) capazes de justificar tudo e sempre, eufemisticamente chamando de “crise” aquilo que é um evidente efeito da própria estrutura que supostamente estaria abalada.

Por fim, o “projeto Huntington” de transformar o século XXI em um “Choque de Civilizações” ruiu com as revoluções árabes desse ano, cujo teor escancarou que a representação do árabe (e em especial do islâmico) como “outro-barbáro” é uma forma de escamotear a dominação material e cultural que perdura por séculos do Ocidente em relação àquelas regiões. (Estratégia, diga-se de passagem, nada inédita.) O “Choque de Civilizações” ficou apenas para os dois pólos fanáticos, ou seja, os fundamentalistas cristãos dos EUA e os fundamentalistas islâmicos da Al-Qaeda.

O que temos, então? Acredito que vivemos uma reconfiguração da polaridade esquerda/direita. Uma das formas de visualizar as perspectivas históricas de forma mais errônea é acreditar que a história é uma linha do tempo, isto é, aquilo que está atrás foi necessariamente apagado pelo que vem na frente. Na realidade, os tempos continuam existindo, o que significa que  esquerda e direita tradicionais continuam lutando nos seus mesmos termos (nos termos que, digamos, a Veja coloca a questão). Mas, ao mesmo tempo, testemunhamos a emergência de novos campos políticos, dos quais eu destacaria pelo menos três:

– O “Projeto da Direita” (falta um nome melhor), cujas estratégias são simplesmente colocar em ação todo aparato possível do estado de exceção a fim de conter os marginalizados espalhados pelo mundo, sobretudo a partir das políticas de imigração e da política criminal de encarceramento massivo, ao mesmo tempo em que garante àqueles que estão acima da linha da cidadania todas as benesses da sociedade de consumo (mantendo ambiguamente em vigor os velhos conservadorismos morais ao lado da pura performance);

– O “Projeto Chinês” (traduzido mundialmente como BRIC)  – que consiste na utilização da sociedade do consumo como mecanismo inclusivo dos pobres e mantém plenamente vigente a matriz exploratório-industrialista da Modernidade como forma de reduzir a desigualdade social. Esse projeto é também tecnocrático, à medida que propõe uma despolitização geral como forma de evitar as polêmicas da Guerra Fria (da qual é herdeiro) e busca promover a transformação social a partir das próprias armas que a obstaculizam;

– O “Projeto (mas aqui “projeto” não cai bem) da Sustentabilidade”, – que engloba  multiplicidade de perspectivas que se encontram no ponto em comum de propor um novo modelo de relação com o mundo, abrangendo tanto a exploração ambiental, a relação com outros viventes, a reconfiguração do espaço urbano, rediscussão da propriedade (em especial da propriedade intelectual), quesitonamento radical do utilitarismo naturalizado a partir da dádiva e a recuperação das energias revolucionárias não-violentas que se voltam contra a dominação sangrenta exercida hoje em dia (ainda que por vezes travestida – e a palavra é aqui importante – na forma da democracia liberal e do mito do contrato social).

Todos esses pólos são condensações de uma complexidade imensa. Esses são apenas alguns elementos que eu vislumbro na política do século XXI que procuram traçar um mapa do nosso cenário.

RADIOHEAD E A DESCONSTRUÇÃO DO “CARROCENTRISMO”

Alguns têm dificuldade intensa de entender que em certos fenômenos pulsa uma vibração que reflete o seu tempo como um todo. É o caso do carro para a cultura do século XX e, mais do que nunca, para a do século XXI. Essas pessoas – geralmente de leitura excessivamente literal do que está sendo escrito – não percebem que o problema não é o automóvel em si mesmo, mas o “carrocentrismo”, isto é, a dominação de toda ecologia urbana pela figura do automóvel. A demolição das paisagens e o trânsito selvagem são os principais reflexos dessa dominação. Uma imagem de Porto Alegre expressa bem essa dinâmica: o antigo cinema Baltimore, antes concentração cultural e espaço de convivência entre diversas “tribos urbanas”, deu lugar a um estacionamento.

Nenhuma banda soube expressar com tanta precisão a desolação de um mundo feito de fumaça, barulho e borracha do que a grande crítica da urbe contemporânea: o Radiohead. Evidentemente, se “Ok Computer” é o próprio espelho da contemporaneidade na sua dinâmica vazia e glacial, não poderia deixar de tratar do automóvel de forma ácida e central. Mas a crítica à cultura automobilistíca começa já com “Stupid Car”, b-side da época do longíquo “Pablo Honey”, presente no “Drill EP”, de 1992. Na canção, Thom fala de um acidente a que sobreviveu:

Pouco tempo depois, a banda retorna ao tema de forma ainda mais ácida e musicalmente mais elaborada em “Killer Cars”, b-side do álbum “The Bends” (1995). É possível notar a sonoridade típica do álbum com riffs empolgantes, refrões suculentos e melancolia desiludida:

E, como já disse, não poderia “OK Computer” (1997), o mais completo espelho do final do século XX, deixar de tratar da temática como inerente à frieza das relações nos nossos dias. O álbum já inicia com “Airbag”, uma suave ironia que se intitularia “An airbag saved my life”, como que a expressar uma vida colonizada pela tecnologia de tal forma que apenas esta ainda é capaz de lhe dar sentido. Na canção, nota-se a evolução do som para o nível supremo, mesclando elementos eletrônicos com um belíssimo riff de guitarra de Johhny Greenwood:

Por fim, a melancólica “Let Down”, também de “Ok Computer”, na qual os transportes, as vias de trânsito e as lihas férreas povoam o mesmo cenário em que os solitários desencantados e vazios de sentimentos mesclam-se às garrafas, numa sufocante rotina acinzentada e opaca. Ei-la:

PS: Nenhum dos clipes é oficial.

O HORROR! O HORROR!

A conhecida frase de Joseph Conrad é a precisa sinalização de um ponto do qual se teve absoluta consciência apenas no século XX: o perfeito encontro entre civilização e bárbarie ou, dito de outra forma, o momento em que a civilização é bárbara.

A medula do século XX que inspirou tantos filósofos e sociólogos é justamente a constatação de que o progresso técnico-industrial típico do otimismo moderno não havia encaminhado as sociedades para um estado superior, para uma boa vida, e sim para um inferno particularmente inóspito que substituía uma barbárie por outra. Essa é a consciência que ilumina em especial as obras de Adorno e Benjamin, entre outros, e que levou o último a afirmar que todo monumento de cultura é também um monumento de barbárie. Conrad sintetizou tudo isso com a expressão “O horror!”, proferida por um enviado da “civilização” que confidencia a absoluta barbárie escondida por trás das luzes.

Hoje, essa consciência ainda permanece perfeitamente atual. O progresso técnico incomparável dos últimos 50 anos não nos levou a uma sociedade onde a vida é qualificada, mas a uma espécie de barbárie high-tech, onde os chicotes foram substituídos por buzinas e as facas e pistolas por pedais de acelerador. Não são os habitantes do medievo brasileiro, aqueles que ainda não tiveram acesso à Modernidade –  a vida nua nas favelas, palafitas e morros brasileiros –  o retrato fidedigno da nossa barbárie. Ela se expressa antes em carros blindados e bem polidos, na selvageria do desfile barulhento e nauseante da fumaça, da borracha, da buzina e do motor.

Nada poderia testemunhar essa barbárie com mais veemência do que o atropelamento dos ciclistas da Massa Crítica em Porto Alegre. Independentemente das circunstâncias particulares, o evento apresenta uma imagem que é a própria expressão da barbárie cotidiana em que vivemos: a Massa Crítica é atropelada por um veículo. As imagens do cotidiano às vezes falam mais do que qualquer argumento.

A Massa Crítica, um coletivo horizontal e anarquista com o certeiro lema “pedalando por um mundo mais respirável” é violentamente agredida por um ser simbiótico (homem/carro) intoxicado pela dinâmica urbana regida pelo imperativo da pressa, paranóia e guerra de todos contra todos, não é a própria expressão do fascismo reagindo contra a diferença? O ódio violento, a vontade desesperada de erradicar qualquer dissonância e singularidade que arranhe a Totalidade materializada no trânsito não é o gesto mais comum e infelizmente repetido do fascismo cotidiano ainda não destruído? O constrangimento com que se noticia e as instituições respondem – inclusive chamando o fato de “acidente” – não é uma mea culpa constrangida por tratarem toda manifestação política como uma “interrupção do fluxo de automóveis”? Nada, afinal, deveria interromper o fluxo de automóveis, hoje a imagem sinistra e doentia da própria Totalidade.

SUSTENTABILIDADE E CRÍTICA AO CAPITALISMO

Marjorie Rodrigues escreveu post no mais importante blog de esquerda da blogosfera brasileira – O Biscoito Fino e a Massa – com o provocativo título Insustentável Sustentabilidade. O inteligente argumento da autora é que as iniciativas como “não use sacolas plásticas”, “apague a luz”, “mije no box do banheiro enquanto toma banho” são, no mínimo, inúteis diante dos verdadeiros danos provocados pela dinâmica do capitalismo na busca incessante pelos lucros, com a agravante da costumeira hipocrisia das empresas poluidoras promoverem eventos “sustentáveis”, entre outras coisas que o cotidiano miserável em que vivemos não cansa de apresentar. Marjorie tem toda razão no ponto em que sustenta, mas creio que a questão pode ser melhor equacionada.

Creio que a estratégia de imputar as necessárias transformações em nível ambiental para o âmbito individual não é nova. Na realidade, ela consiste na estratégia mais comum que vemos em termos de conservadorismo: converter todo problema de caráter estrutural, que tem como raiz nosso próprio modo de vida, em uma questão de cunho moral, vinculada ao mau comportamento de alguns indivíduos. É, por exemplo, o que acontece no Brasil em relação à questão da corrupção, na realidade resultado de uma apropriação privado-oligárquica do espaço público, mas tratada como coisa desses “políticos bandidos”. Acreditar que a conduta de alguns poucos indivíduos em relação ao meio ambiente é suficiente é uma perspectiva tão parva quanto considerar a sustentabilidade como algo apenas “politicamente correto”, como se a sobrevivência do Planeta no futuro fosse algo meramente decorativo.

Apesar disso, embora concorde com o post, vejo as coisas de forma exatamente inversa àquela colocada, pois não é a questão da sustentabilidade que deve se integrar na crítica ao capitalismo, mas o oposto. É a crítica do capitalismo – se não quiser ser mais um capítulo industrial-desenvolvimentista a destruir o que resta do nosso Planeta – que deve se integrar ao discurso da sustentabilidade. Em outros termos, porque o capitalismo – em especial na sua combinação contemporânea com a sociedade de consumo – é completamente insustentável. Se a crítica ao capitalismo aponta para a injustiça social, para a exploração do trabalho em nome do lucro,  para os bolsões de miséria e a escassez desnecessária de alimentos, remédios e outros bens necessários à vida humana, ela não pode deixar de incluir, como uma segunda camada, para a viabilidade dessa própria vida. Em outros termos: sem um Planeta habitável não adianta existir igualdade e justiça social. É tão difícil assim perceber a extrema concretude da questão ambiental assim? Será que não percebemos que o ar que respiramos provoca mutações na nossa saúde, para dar um exemplo trivial? A ilusão monádica moderna, aparentemente, embora tenha provocado inúmeras críticas (desde Hegel, pelo menos), não deixou de provocar a sensação de que podemos ajustar ilimitadamente a nossa vida humana, como se vivêssemos em bolhas isoladas do ambiente. Nada mais falso que isso. Somos em permanente relação.

Mas a sustentabilidade não é uma questão meramente defensiva, como os políticos tradicionais costumam vê-la. Na realidade, essa, e não qualquer outra, foi a principal razão para meu voto em Marina, a única que pôs o tema nos eixos que vou colocar durante as eleições. Para Dilma, Serra e Plínio, o meio ambiente é algo que deve ser “preservado” (o que necessariamente carrega consigo a seguinte continuação: “desde que possível”). Consequentemente, basta negociarmos com ambientalistas – como negociamos com lobistas e movimentos sociais em geral – para conseguir um bom acordo e, com isso, espécie de “superação dialética” do problema, caminhando lado-a-lado progresso e preservação ambiental. Essa, definitivamente, não é a mesma visão de Marina e daqueles que põem a sustentabilidade em outros termos. Para nós, a sustentabilidade também tem um aspecto positivo ou, se quisermos, construtivo, que consiste na busca da qualidade da vida.

O desenvolvimentismo que subjazia aos programas de Dilma, Serra e Plínio no fundo se apóia na ideia de crescimento econômico e, com ela, numa valorização do aspecto quantitativo, por exemplo, no PIB, no salário-mínimo, nos índices de produção e emprego etc. O que a sustentabilidade propõe, paralelamente, é que ao lado dessa dimensão e com certa preponderância deve figurar a dimensão qualitativa, isto é, uma análise voltada para o bem viver das pessoas. Um exemplo: a superprodução de carros durante o Governo Lula obviamente é melhor do que a miséria e humilhação social a que eram submetidas algumas pessoas que não podiam adquirir veículos. Contudo, já vemos claramente os reflexos do crescimento insustentável nas cidades com engarrafamentos brutais, pessoas irritadiças, fobia do trânsito, aquecimento global e poluição. Pensar a questão do ponto de vista qualitativo é pensar não apenas defensivamente, isto é, o que podemos fazer para evitar detonar o meio ambiente, mas pensar com o meio ambiente enquanto “nossa casa”, como o lugar em que moramos e queremos morar bem. Obviamente, isso não significa que em alguma medida o desenvolvimentismo tenha preocupações qualitativas e a sustentabilidade quantitativas, mas tudo é uma questão de enfoque e preponderância.

Por isso, reitero, creio que embora Marjorie Rodrigues tenha acertado no seu ceticismo quanto ao ambientalismo “politicamente correto” (isto é, praticamente inócuo ou hipócrita), a questão deve ser equacionada no sentido de integrar a crítica ao capitalismo ao discurso da sustentabilidade, e não o inverso. Em outros termos: a crítica ao capitalismo deve ser sustentável, e não desenvolvimentista. A racionalidade que subjaz à exploração do trabalho – típico alvo da crítica ao capitalismo – é mais profundamente a racionalidade exploradora do meio ambiente, a Totalidade que os frankfurtianos, entre outros, sempre referiram. Ninguém melhor que Guy Debord (foto) expressou isso no brilhante artigo publicado pelo Sopro, chamado “O Planeta Doente“. Que essas linhas sirvam de convite ao leitor para deliciar o belo texto do teórico da sociedade do espetáculo.