Poucos álbuns dizem tanto de uma geração quanto “(What’s the story) Morning Glory”. Tanto isso é verdade que uma pilha de leitores desse blog certamente tem muito mais a dizer sobre ele que eu, apesar da minha obsessão pelo rock e de o Oasis estar entre as minhas três bandas favoritas. Entretanto, é preciso contar algo sobre esse disco, e começarei pelo contexto.
A Grã-Bretanha passava por um momento relativamente conturbado. Já eram alguns anos de prevalência do rock norte-americano, a partir do grunge, sobre o rock britânico. As revistas pastelonas que até hoje continuam fazendo esse papel de bobo (NME e outras) tentavam emplacar bandas, mas pouco conseguiam: Stone Roses (apesar de tudo, uma lenda em solo britânico), Suede, Elastica, Supergrass. Apesar de não serem ignoradas, essas bandas não conseguiam alcançar o nível das principais da época: Nirvana e Pearl Jam. Em termos de mainstream, o rock britânico agonizava.
Foi então que apareceu – ao mesmo tempo em que começava o ocaso do grunge com o suicídio de Kurt Cobain – uma hecatombe chamada OASIS. Pegando emprestado o acervo melódico e a beleza dos arranjos vocais dos Beatles e atualizando-o com as influências de My Bloody Valentine, Stone Roses, Sex Pistols e toda parafernália do rock britânico do início dos anos 90, a banda cunha um estilo a opor ao grunge: o britpop. O arrojo punk combinado com baladas recuperadoras das raízes do rock inglês pode ser traduzido nos seus dois nomes: Liam e Noel Gallagher. Essa dupla explosiva de irmãos contrastava a atitude anti-hype de Kurt Cobain e Eddie Vedder com um sonoro sim, nós queremos ser rock stars, desde que isso signifique ser transgressor, beber e se divertir ilimitadamente, ser jovem para sempre. Todo o resto não importa. Primeira música do antológico primeiro álbum: “Rock ‘n’ Roll Star“.
Após verdadeiramente explodir em 1994 na Inglaterra, o Oasis vai conquistar o mundo. A polêmica com o Blur – o outro expoente do britpop – catapultou o Oasis para o sucesso. Apesar de ter perdido a disputa de singles com “Some might say” (onde a influência das bandas de início dos anos 90, com paredes de guitarras e violência sonora, ainda é muito nítida), o que se seguiu na comparação entre “(What’s the story) Morning Glory” e “The Great Escape” foi verdadeiro massacre. Tudo isso se potencializou com a atitude baderneira, caótica, desafiadora dos irmãos de Manchester (terra da principal agitação musical britânica no início dos anos 90).
E o disco? Musicalmente, é impecável. Abre com “Hello”, a mais shoegaze de todas, saudando os fãs, “é bom estar de volta”, com paredes de guitarras e atitude de quem estar abrindo o jogo no ataque. “Roll with it”, “Some might say”, “Hey Now” e “Morning Glory” compõem o bloco das pesadas e eletrificadas ao extremo canções de agitar qualquer platéia. A energia que penetra nos poros é indizível. É como tomar um martelinho de tequila: bate aquele calor na goela e dá vontade de pular. “Wonderwall”, “Don’t look back in anger”, “Cast no shadow”, “She’s electric” e “Champagne Supernova” compõem o outro bloco: as baladas devastadoras que, recuperando o legado dos Beatles, mostram um domínio da harmonia e da melodia ímpar. A voz rasgada de Liam, em particular, somada ao perfeito backing vocal de Noel, dá uma feição totalmente particular a essas belíssimas canções na maioria tocadas com violão pela banda.
O back to basics do Oasis (que não foi a mesma coisa do Strokes, alguns anos depois) é, essencialmente, um retorno às raízes do rock britânico para fazer uma sonoridade suja o suficiente para ser chamada de rock’n’roll. Abdicar das experimentações extremas para dar origem a algo simples, curto, reto, seco, direto, mas essencial: simplesmente rock. Esse som de, por exemplo, “Morning Glory”, merece ser chamado de POWER.
“(What’s the story) Morning Glory” não é apenas o signo de uma geração pós-grunge que encontrou no Oasis a banda definitiva. É a maturidade da conciliação entre as tendências mais díspares e ao mesmo tempo fundamentais do rock britânico: os melódicos Beatles, com seus arranjos perfeitos e harmonias vocais absolutas, e os barulhentos punks, com suas guitarras simples, estridentes, sua eletricidade pulsante. Álbum essencial para quem quer entender qualquer coisa sobre o rock.