DISCOTECA BÁSICA # 2 – OASIS, “(WHAT’S THE STORY) MORNING GLORY” (1995)

Poucos álbuns dizem tanto de uma geração quanto “(What’s the story) Morning Glory”. Tanto isso é verdade que uma pilha de leitores desse blog certamente tem muito mais a dizer sobre ele que eu, apesar da minha obsessão pelo rock e de o Oasis estar entre as minhas três bandas favoritas. Entretanto, é preciso contar algo sobre esse disco, e começarei pelo contexto.

A Grã-Bretanha passava por um momento relativamente conturbado. Já eram alguns anos de prevalência do rock norte-americano, a partir do grunge, sobre o rock britânico. As revistas pastelonas que até hoje continuam fazendo esse papel de bobo (NME e outras) tentavam emplacar bandas, mas pouco conseguiam: Stone Roses (apesar de tudo, uma lenda em solo britânico), Suede, Elastica, Supergrass. Apesar de não serem ignoradas, essas bandas não conseguiam alcançar o nível das principais da época: Nirvana e Pearl Jam. Em termos de mainstream, o rock britânico agonizava.

Foi então que apareceu – ao mesmo tempo em que começava o ocaso do grunge com o suicídio de Kurt Cobain – uma hecatombe chamada OASIS. Pegando emprestado o acervo melódico e a beleza dos arranjos vocais dos Beatles e atualizando-o com as influências de My Bloody Valentine, Stone Roses, Sex Pistols e toda parafernália do rock britânico do início dos anos 90, a banda cunha um estilo a opor ao grunge: o britpop. O arrojo punk combinado com baladas recuperadoras das raízes do rock inglês pode ser traduzido nos seus dois nomes: Liam e Noel Gallagher. Essa dupla explosiva de irmãos contrastava a atitude anti-hype de Kurt Cobain e Eddie Vedder com um sonoro sim, nós queremos ser rock stars, desde que isso signifique ser transgressor, beber e se divertir ilimitadamente, ser jovem para sempre. Todo o resto não importa. Primeira música do antológico primeiro álbum: “Rock ‘n’ Roll Star“.

Após verdadeiramente explodir em 1994 na Inglaterra, o Oasis vai conquistar o mundo. A polêmica com o Blur – o outro expoente do britpop – catapultou o Oasis para o sucesso. Apesar de ter perdido a disputa de singles com “Some might say” (onde a influência das bandas de início dos anos 90, com paredes de guitarras e violência sonora, ainda é muito nítida), o que se seguiu na comparação entre “(What’s the story) Morning Glory” e “The Great Escape” foi verdadeiro massacre. Tudo isso se potencializou com a atitude baderneira, caótica, desafiadora dos irmãos de Manchester (terra da principal agitação musical britânica no início dos anos 90).

E o disco? Musicalmente, é impecável. Abre com “Hello”, a mais shoegaze de todas, saudando os fãs, “é bom estar de volta”, com paredes de guitarras e atitude de quem estar abrindo o jogo no ataque. “Roll with it”, “Some might say”, “Hey Now” e “Morning Glory” compõem o bloco das pesadas e eletrificadas ao extremo canções de agitar qualquer platéia. A energia que penetra nos poros é indizível. É como tomar um martelinho de tequila: bate aquele calor na goela e dá vontade de pular. “Wonderwall”, “Don’t look back in anger”, “Cast no shadow”, “She’s electric” e “Champagne Supernova” compõem o outro bloco: as baladas devastadoras que, recuperando o legado dos Beatles, mostram um domínio da harmonia e da melodia ímpar. A voz rasgada de Liam, em particular, somada ao perfeito backing vocal de Noel, dá uma feição totalmente particular a essas belíssimas canções na maioria tocadas com violão pela banda.

O back to basics do Oasis (que não foi a mesma coisa do Strokes, alguns anos depois) é, essencialmente, um retorno às raízes do rock britânico para fazer uma sonoridade suja o suficiente para ser chamada de rock’n’roll. Abdicar das experimentações extremas para dar origem a algo simples, curto, reto, seco, direto, mas essencial: simplesmente rock. Esse som de, por exemplo, “Morning Glory”, merece ser chamado de POWER.

“(What’s the story) Morning Glory” não é apenas o signo de uma geração pós-grunge que encontrou no Oasis a banda definitiva. É a maturidade da conciliação entre as tendências mais díspares e ao mesmo tempo fundamentais do rock britânico: os melódicos Beatles, com seus arranjos perfeitos e harmonias vocais absolutas, e os barulhentos punks, com suas guitarras simples, estridentes, sua eletricidade pulsante. Álbum essencial para quem quer entender qualquer coisa sobre o rock.

DISCOTECA BÁSICA # 1 – MY BLOODY VALENTINE, “LOVELESS” (1991)

Segundo consta, na história do rock há duas espécies fundamentais de bandas que se tornam clássicas: as que influenciam os ouvintes e as que influenciam as próprias outras bandas. Exemplo da segunda modalidade seria o Velvet Underground, cujo primeiro show teria sido assistido por apenas 10 pessoas que em seguida foram montar suas próprias bandas. O My Bloody Valentine está na mesma prateleira. Em um cenário relativamente escasso (embora livre do ponto de vista criativo) apareceu como grande promessa, mas ficou guardado apenas nas prateleiras dos fissurados (esse disco, p.ex., embora seminal na história do rock, sequer conta com versão nacional).

Depois de alguns EPS (a maioria compilada na coletânea “Ecstasy and Wine”) e um álbum, “Isn’t Anything” (1989), a espera pelo trabalho do My Bloody Valentine era aguardada como futura “galinha dos ovos de ouro”. Mas, apesar de ser literalmente demolidor e marcante para todo rock futuro, “Loveless” não estourou entre o público (entre nós, pior ainda: provavelmente 9 em cada 10 pessoas que gostam de rock sequer conhecem a banda). Depois dele, contudo, jamais o rock seria o mesmo.

De uma forma inédita, o My Bloody Valentine consegue fundir paredes de guitarra, lisergia extrema e clima onírico, sobretudo devido à vocalista Bilinda Butcher, gerando uma sonoridade totalmente diferente de tudo que foi feito antes. O som é incrivelmente alto e simultaneamente elaborado, o que dá uma impressão contraditória de incômodo e suavidade. Distorção e melodia convivendo lado-a-lado.

Apenas “Only Shallow”, faixa de abertura, já seria suficiente para provar que Kevin Shields subverteu tudo que havia sido feito anteriormente com a guitarra (e olha que era muita coisa). Guitarras se sobrepõem a guitarras em camadas mais e mais barulhentas, atuando em harmonia com a voz doce de Bilinda. Mas a viagem acelera e somos apresentados a muitos outros momentos de psicodelia extrema, surfando por cenários celestiais e das trevas, entre uma temperatura nervosa e a suavidade extrema. De passadas de elefantes (“Loomer”) a tentativas hipnóticas (“To here knows when”). Da paisagem de “Sometimes” àquela que Brian Eno disse certa vez redefinir os rumos da música pop: “Soon”.

A banda influenciou um espectro indefinível que vai dos mais lisérgicos conjuntos atuais (Deerhunter, Radio Dept, Blonde Redhead) até o dream pop (Mercury Rev, Flaming Lips), passando pelos britânicos mais tradicionais (Oasis, Verve, Blur, Radiohead), os alternativos em geral (Interpol, Black Rebel Motorcycle Club, Ladytron), o chamado nugaze (Silversun Pickups, Asobi Seksu, Fleeting Joys), inegavelmente todo pós-rock (Mogwai, Explosions in the Sky, Sigur Rós) até bandas norte-americanas diversas (NIN, Smashing Pumpkins). Todo mundo usa o reverb ao estilo Kevin Shields.

Ouvir My Bloody Valentine nesse disco com o cuidado merecido é um passsaporte para entrar em um novo mundo musical. Nesse mundo, tudo aquilo que não for infinitamente ousado soará pequeno e inútil, distante da grandiosidade de uma banda que redefiniu, em algum grau, uma boa pilha dos conceitos do rock produzindo uma sonoridade totalmente nova, da qual hoje é impossível recuar sem soar ingênuo ou inofensivo.