O clima de fim do mundo do segundo turno defendido pelos dois lados está amenizando a percepção do grande erro político que o PT cometeu no primeiro turno e da necessidade de reorganizarmos as alianças pela esquerda, apesar de todo policiamento que aqueles que divergem dos rumos atuais da política têm que aturar, contra o pior que está por vir. E ele não será nem o PT nem o PSDB. O pior pode ser ainda muito pior do que ter aberto as portas para o crescimento de Aécio ao focar ataques em Marina ou mesmo que corroborar políticas identificadas com a ortodoxia neoliberal.
A votação expressiva de políticos fascistas indica que talvez estejamos testemunhando a emergência do fascismo assumido e institucionalizado no Brasil. A Constituição de 1988 de certa forma neutralizou durante algum tempo esses discursos na forma explícita, mas sabemos que a mídia — especialmente aquela de baixo nível — e grande parte da população é entusiasta das suas ideias. Na sala de aula, na feira, no táxi, no restaurante: os fascistas sempre estão por perto. Eles demonizam os direitos humanos e consideram que as lutas das minorias são uma espécie de “ditadura” (exatamente porque concebem democracia como a vontade da maioria, mesmo que ela seja interferir na vida privada e na autonomia individual ou ratifique a injustiça social), identificam-se com a violência policial, apoiam políticas higienistas e moralistas de toda ordem e creem na figura do líder autoritário.
O paradoxo é que hoje quem mantém boa parte do orçamento do fascismo na política é o próprio PT. Ao se aliar a partidos como o PP, o PT cede parte do orçamento público para que cargos em comissão ajudem a financiar campanhas e deem sustentação econômica para esses partidos (sem falar de outro tipo de financiamento). A razão disso é que o PT precisa deles para governar: o peemedebismo é o modus operandi típico do sistema político brasileiro e o partido ajudou a o consolidar. Quando o peemedebismo foi contestado, durante as manifestações, o PT resistiu a aceitar e preferiu se agarrar nos aliados, apostando que no final a chantagem (“nos atacar é fortalecer a direita”) seria suficiente para derrubar a revolta. Não foi. O resultado disso é que o PT perdeu o apoio de boa parte da esquerda e o lado direito do governismo se fortaleceu. Como naquele conto do escorpião, está pronto para dar o bote quando se tornar forte o suficiente para andar com as próprias pernas ou encontrar melhor aliança. E o erro de demonizar as manifestações continua a pleno vapor nas eleições.
Por isso a atitude de monopolizar a esquerda pode ser bastante grave no futuro e repete os erros do “socialismo real” e dos partidos comunistas do século XX. Com uma provável recessão à vista, se o PT vencer, a direita tende a se fortalecer. E não só a direita “neoliberal”, o centro-direita, mas a ultradireita de Bolsonaro, Heinze e Feliciano. Ela pode ser fiel da balança no futuro próximo — 2018 — e iniciar um ciclo realmente infernal. Para enfrentar isso, será necessária uma ampla aliança de esquerda. O PT sozinho não é forte o suficiente. Apenas se tivermos juntos a esquerda radical, os verdes e os trabalhistas, espectro político com divergências amplas, poderia haver chance de enfrentar os reacionários. Mas para isso o PT precisa sair do projeto do monopólio da esquerda e deixar florescerem outras correntes. Da mesma forma, é necessário deixar que os movimentos sociais possam crescer e pressionar o sistema político a ponto de formarem um força paralela ao Estado. Só assim é possível que a esquerda se apresente como algo novo, inclusive alternando entre si de posição. O quadro atual que se desenha com a atitude exclusivista do PT é o pior possível: se assistirmos uma crise nos próximos anos, a única saída será relançar Lula como líder nos moldes de Getúlio e Perón e estraçalhar o cenário político com uma figura puramente simbólica e paternal enveredando na direção do populismo. Mas o problema não é só esse: o outro lado pode estar mais forte e vai justamente tensionar a figura de Lula como principal rival político, o que pode significar mais força para a extrema direita e radicalização do cenário até o ponto de ameaçar a democracia. Em outros termos, havendo fortalecimento das figuras da extrema direita em nível nacional e se Lula for eleito em 2018 pelo peso exclusivamente simbólico (com todas as polarizações de classe e região que costuma atrair), passa a existir o risco real de um golpe no Brasil. Sob essas condições, evidentemente (em um cenário de bonança nos próximos 4 anos, por exemplo, a situação não seria essa). Por tudo isso a própria renovação do PT é imperativa.
O velho dilema de 1968, com destaque para a Primavera de Praga, reaparece aqui. A chantagem de apoiar o Partidão sob pena de entregar o poder para a direita é o grande equívoco que não pode ser repetido. Sabemos que enquanto o Partidão é apoiado a qualquer custo o fantasma de Stalin continua nos rondando. É só arrancando compromissos do poder, pluralizando a própria esquerda, que é possível uma saída que não seja chancelar o que não pode ser suportado e nem a entrega do poder aos reacionários. A alternativa do tudo ou nada é uma redução infernal que nos coloca nas mesmas aporias que já deveríamos ter aprendido a contornar. Pluralizar e construir novas alianças reconhecendo outros campos políticos e evitando a lógica autoritária é a única saída para a esquerda, que não tem mais o direito de errar os mesmos erros eternamente.
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